Fui desafiado pelo colega Manuel Menezes de Sequeira a entrar numa discussão sobre a revogação do DL 73/73 que estabelece as competências dos projectos, isto é, que diz quem pode assinar, ser autor, de um projecto de arquitectura. O colega “picuinhas” defende a não revogação. Alega que por decreto não se faz nada. Pois bem, parece-me que este desafio do Picuinhas está prenhe de contradições e de coisas sem sentido.
Não me vou alongar muito por falta de tempo para isso e por ter lido já outras respostas bem estruturadas ao mesmo.
Apenas quero deixar alguns dos meus pontos de vista sobre o assunto.
Assim, comecemos:
1. Antes de mais julgo que tal vai de encontro à legislação Europeia – mais não é do que a transposição para a legislação portuguesa de uma normativa Europeia que impõe que a arquitectura seja feita por arquitectos, pois estes são os únicos que receberam formação – boa ou má, isso é outra discussão – para realizar este serviço. Ninguém de bom senso vai a uma lavandaria pedir para lhe enviarem um canalizador a casa para consertar a máquina da roupa! Mas é isso que acontece em Portugal, onde as pessoas vão às câmaras dizer que querem fazer uma casa e saem de lá com o contacto do porteiro que faz uns desenhos e que lhe trata do assunto...
2. A revogação do DL não tem, quanto a mim, qualquer relação com uma obrigação a se fazer arquitectura por decreto. Antes restituí um direito que era consagrado aos arquitectos e que por causas diversas foi revogado “temporariamente” em 1973 e que se mantém em vigor ainda hoje, 30 anos depois! É apenas o repor da justiça e da legalidade, já que as causas que motivaram a criação do 73/73 há muito que foram ultrapassadas.
3. É evidente que não é apenas este gesto – revogar o 73/73 – que vai transformar a arquitectura em boa arquitectura e numa profissão com futuro, dignificada. Mas este é um passo fundamental para isso. Julgo que a par com a criação da Ordem dos Arquitectos e com a “massificação” dos arquitectos em todo o país, estes são os princípios fundamentais para que a arquitectura seja, por um lado, uma profissão com futuro e por outro lado irá permitir a selecção natural dos arquitectos por parte do mercado. Coisa que actualmente não acontece visto que há agentes técnicos, técnicos de engenharia (vulgo engenheiros técnicos) e engenheiros civis que projectam e assinam como qualquer arquitecto, pelo que este mercado é distorcido: não é disputado por cerca de 10 mil arquitectos mas sim por cerca de uns 100 mil profissionais (ou mais, não deve haver forma de contabilizar...) que vão desde o engenheiro de minas até aos porteiros das câmaras!
4. A qualidade da arquitectura praticada tem a ver com a formação que o arquitecto teve, mas também tem a ver com a mentalidade do promotor imobiliário e do dono da obra. É que por muita e de qualidade formação que o arquitecto tenha, quando o promotor é o chamado “bronco” que só vê notas à frente e quer é valorizar economicamente o seu empreendimento, não há arquitecto que salve a situação... E quando é o dono de obra remediado, do crédito bancário a 40 anos, lá se vai a “arquitectura de revista” que não é compatível, na maioria das vezes, com o exíguo espaço disponível para desenvolver o programa pedido, sabendo que muitas vezes até a própria construção é erguida pelo próprio dono da obra ao fim de semana com os amigos e familiares...
5. Portanto, em jeito de conclusão, o que posso dizer sobre ser arquitecto e ser contra a revogação do DL 73/73? Que é uma enormidade, uma barbaridade. Porque enquanto tal não acontecer de facto o futuro dos arquitectos é negro e da arquitectura e urbanismo é pior do que isso – e não me venham com a defesa de quem está a trabalhar no mercado há muitos anos e que vai ser prejudicado porque não é arquitecto! É que se está há muitos anos no mercado e ainda não é arquitecto, já o podia ser – conheço alguns que conseguiram tirar o curso, com sacrifícios enormes mas que graças a isso estão agora em boa situação. E não é por falta de arquitectos que não trabalham – afinal, sabemos que no mercado existem muitos colegas desempregados ou a trabalhar em profissões “paralelas” como decoração, vendedores de imóveis, etc – por falta de serviço compatível. E assim um gabinete de um agente técnico ou de um engenheiro civil pode ter um (ou mais) arquitectos na equipa, entrando na “legalidade”!
6. Portanto, não há qualquer justificação possível para contrariar a revogação do DL 73/73. Que já devia ter acontecido há muito! E nem devia ser objecto de discussão entre os arquitectos... de tão evidente, justa e necessária que é a sua premência em ser executada!
E por aqui e por agora me fico, reservando-me o direito de intervir novamente se tiver tempo e achar que tal é importante e necessário.
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