2005/04/25

25 de Abril de 2005

31 anos depois e 30 anos após as primeiras eleições livres da história moderna, deixo aqui o discurso que hoje proferiu o deputado Emidio Guerreiro, do PSD, na Sessão Solene comemorativa da Assembleia Municipal de Guimarães.

"31 anos volvidos sobre o dia em que um punhado de capitães decidiu por fim a uma longa noite de 48 anos, encontramo-nos, mais uma vez, para celebrar o evento.
Talvez seja esta uma fórmula gasta e ultrapassada de o fazer. Mas o que ninguém pode afirmar é que a Assembleia Municipal de Guimarães se alheia e não recorda o dia de 25 de Abril de 1974.
Mas não é da forma como se festeja este dia que pretendo falar. Nem sequer das recordações dos dias e anos anteriores à revolução. Aliás, seria um pouco estranho que alguém que tinha 9 anos à época viesse discorrer sobre o fascismo e a sua ditadura. Tenho as minhas recordações que resultam muito mais do que ouvia e via do que propriamente do que então vivi. O que recordo bem são os meses e os anos imediatamente a seguir à revolução. A conturbação social, as manifestações gigantescas, a imensa participação popular em todos os momentos assim como a partir de determinada altura a regular presença de tropas em locais onde nunca os tinha visto anteriormente, tornaram-se imagens bem gravadas na minha memória. Para além do colorido destas imagens que me chegavam, via televisão a preto e branco, tenho bem presente, ainda hoje, a mudança de sentimento dos que me rodeavam. A euforia inicial, o optimismo presente em todas as conversas, à medida que os meses passavam, deram lugar ao pessimismo e ao medo do futuro. Esta angústia haveria de terminar a 25 de Novembro de 1975, momento a partir do qual a revolução ruma em definitivo à democracia.

Muito se tem discorrido sobre a democracia portuguesa. Ao longo dos tempos fomo-nos habituando a múltiplos balanços. Foi assim nas comemorações dos 20 anos, dos 25 anos e nos 30 anos do 25 de Abril. Para uns cumpriu-se a revolução…para outros não. Aqui, como em tantas outras coisas, o acordo não existe. Tenho para mim que esta concordância não faz falta. São por demais evidentes os ganhos de Portugal ao longo dos últimos 31 anos. Muito faltará fazer, sem dúvida, mas muito se fez.

Mas a democracia não se avalia apenas pelas políticas seguidas nem pelas obras feitas.
É usual ouvir-se que a democracia portuguesa é jovem e que tem ainda muito que aprender. Acredito que assim seja. Desde logo pelo exemplo de alguns dos seus protagonistas e das suas práticas.
Em ano de eleições autárquicas é normal o uso de práticas importadas de outros ramos de actividade que não a política. Refiro-me em concreto às “contratações” de autarcas de outros partidos. É verdade que esta realidade tem diminuído ao longo dos tempos. Existem municípios em que tal não se faz por acordos entre as direcções partidárias locais. Infelizmente em Guimarães, tal ainda não é possível. A actual maioria ainda não chegou a esse estádio de cultura democrática. Mas mais importante do que questionar estas contratações, do ponto de vista da maturidade democrática, é percebermos o porquê.
Em inúmeras conversas com autarcas que “mudaram de camisola” o motivo mais aduzido é o de que agora possuem os meios para melhor fazer obra. Ou seja, estamos na presença da confirmação de uma das denúncias mais comuns e frequentes dos partidos da oposição: a de que câmara discrimina os apoios às juntas de freguesia. As juntas cuja presidência é do partido socialista têm ao longo do mandato transferências de meios que possibilitam a concretização de obra. Conseguem estas melhor satisfazer as necessidades das populações das suas freguesias. Não por terem mais iniciativa ou criatividade, não por terem melhores soluções ou ideias inovadoras, mas apenas por serem do partido do poder.
E que dizer dos outros? Dos autarcas eleitos pelas outras forças partidárias? Serão mais fracos? Terão menos iniciativa e ideias? Quererão servir as suas populações de pior maneira? E as populações? Será que não contam??? Afinal o objectivo qual é? Servir a população ou o partido, seja ele qual for?
E quando ouvimos dizer que os partidos são plurais e abertos a todos quanto queiram engrossar as suas fileiras, estamos no domínio puro e duro da demagogia.
Se assim fosse, os autarcas que mudam de partido não falariam das novas possibilidades oferecidas. Não falariam das promessas feitas, das obras que, finalmente, vão poder concretizar, ou seja, das condições oferecidas em troco da mudança de partido.
Mas serão estes autarcas os maiores responsáveis por este triste exemplo dado aos mais jovens? Não me parece. Estes mais não querem que aceder aos meios que lhe vão sendo negados. Mais não pretendem servir melhor as populações, concretizando as obras que sabem ser necessárias na sua freguesia.
Os maiores responsáveis são aqueles que não olham a meios para chegar ao objectivo do poder mais que absoluto, contabilizando esse poder em números de freguesias, independentemente da forma como se lá chega.
Não tenho dúvidas que é também graças a estes tristes comportamentos que a política e os políticos são cada vez mais olhados com desconfiança pelas populações. Também não duvido que estes comportamentos não são exclusivos do PS de Guimarães e que em municípios geridos por outros partidos o mesmo suceda.
Mas com o mal dos outros podemos bem. O que nos preocupa é que 31 anos depois da Revolução dos Cravos, da conquista da liberdade e da democracia, isto aconteça na nossa terra. É bem verdade então que a democracia portuguesa tem muito a aprender e a crescer. Importante é que o faça depressa.

Mas 31 anos depois de Abril não é só no poder local que a democracia precisa de crescer e evoluir. Também alguns exemplos vindos do topo nos merecem reflexão.
Refiro-me às alterações da legislação eleitoral. Como é público, a anterior maioria parlamentar e o então maior partido da oposição chegaram a acordo nesta matéria, tendo inclusive o debate parlamentar sido agendado para 20 de Dezembro. Este debate só não se realizou porque entretanto o Presidente da Republica convocou eleições legislativas.
E que vemos hoje? O PS entretanto chegado ao poder, parece que se esqueceu do acordado em Dezembro. O pacote então negociado já não serve.
O que ontem era válido, hoje já não o é, sem que compreendamos o porquê. Mas chegam-nos ao ouvidos o relato de reuniões tidas entre os autarcas e o secretario geral socialista a dar conta que a vontade não é o de alterar seja o que for mas sim o de colocar o ónus da não revisão da legislação no PSD.
Trata-se de mais um exemplo de falta de maturidade política, onde o mais importante não é servir o interesse de todos, mas só o de alguns.

31 anos depois de Abril de 1974, muito há a fazer para cumprir os ideais de liberdade e de democracia que moveram os capitães de Abril.
É minha convicção que o papel a desempenhar pelos protagonistas da democracia, os políticos, é tão ou mais importante que as obras feitas ou a fazer. A democracia mede-se também pelos comportamentos de cada agente político. A maturidade e o desenvolvimento da democracia estão directamente relacionadas não só com o estádio de desenvolvimento social mas também com o estádio de comportamento dos agentes políticos.
Acredito que os desafios da democracia portuguesa nos próximos anos serão cada vez mais os que se prendem com os comportamentos dos homens que os que se prendem com a obra medida em metros cúbicos de betão.
Saibamos todos nós compreender esta realidade e consigamos todos contribuir para esta renovação de mentalidades, com a convicção que assim também estaremos a cumprir Abril.
Viva o 25 de Abril, Viva a Liberdade, Viva a Democracia."

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