Plagiando um título recorrente do blog de Pacheco Pereira, uso-o para deixar mais à vista um comentário de um leitor anónimo "a." que não assumindo a sua identidade, não sei porquê, deixou uma resposta interessante ao meu post "O Ensino da Arquitectura em Portugal" e para o qual gostaria de deixar uma resposta mais longa do que o sistema de comentários me permite.
Assim, deixo primeiro o texto de "a." e depois a minha resposta...
"Discordo plenamente. Nunca na história do mundo se criou universidades para serem "profissionalizantes". Muito menos num curso com base na Belas Artes.Estudar arquitectura exige amor à camisola. E mais do que saber onde acaba o reboco e começa o tijolo deve-se saber pensar. E isso ensinam lá onde dizes nada ensinam..... É claro que o dito "mercado de trabalho" (castrador e corrupto em último grau) exige que se domine certas coisas práticas, na sua maioria desinteressantes, mas nada de tão estranho ou difícil para quem foi ensinado a pensar a arquitectura na faculdade. Quanto à crise do ensino básico e secundário, estamos de acordo!"
Caro a., está no direito de discordar e agradeço a réplica, mas acho que estou também em total desacordo quando diz que é um curso com "base nas Belas Artes"... Esse, para mim, é o principal problema do ensino da arquitectura actual. É que enquanto artista, pensa no projecto como uma obra de arte, como uma "peça" e numa forma "egoista". Nunca ouvi um "artista" dizer que trabalha para o público! Trabalham sempre para "prazer" pessoal. E a arquitectura, para o bem ou para o mal, é pública e deveria ser altruista - isto é, como bem diz, "pensada" mas para todos, para a comunidade, para quem dela vai usufruir os seus espaços interiores e mas também para quem vai usufruir dos seus espaços exteriores e da sua imagem e integração na realidade que a rodeia.
E todos os "pormenores desinteressantes" custam dinheiro - e hoje, mais do que nunca, essa é uma engrenagem fundamental no "castrador e corrupto mercado de trabalho". Ou será que os "artistas" não cobram honorários pelos seus projectos? Antigamente as universidades podiam dar-se ao luxo de formar "diletantes" que participavam em muito construtivas tertúlias que discutiam coisas muito pragmáticas (se bem que agora não me lembre de nenhuma em particular...), mas hoje isso não mais é possivel e não querer encarar essa realidade é abrir a porta aos "desenhadores", aos "agentes técnicos" e aos engenheiros civis para fazerem projectos de arquitectura com menos erros de construção (logo de construção mais barata) e mais baratos que os dos arquitectos...
O ensino universitário, não só da arquitectura como de qualquer outra coisa, não deve, para mim, ser "porfissionalizante" - para esse espaço há outras alternativas como o politécnico - mas antes deve preparar bem os alunos, dotando-os de capacidade critica e "bagagem" teórico-práctica - sem nunca perder a noção que quando terminar o curso o aluno vai entrar num mercado de trabalho, cada vez mais competitivo, onde a diferença não vai residir no "génio" mas naquele que conseguir melhor conjugar as diversas variáveis intervenientes no processo da forma mais eficaz e económica - e neste sentido, sim, deve ser "profissionalizante".
Não sei se o meu caro leitor "a." é um arquitecto. Mas se for, pelo que escreveu, deduzo então que nunca deve ter feito projectos para pessoas que têm o direito de usufruir dos serviços de um arquitecto mas não têm nem 200 mil, nem 150 mil nem tão pouco 100 mil euros para "gastar" na construção de uma casa. Há, pelo visto, quem lhe chame "castrador"; eu chamo-lhe desafio conseguir gerir um orçamento curto que o cliente tem disponivel (ou antes, o banco tem disponivel...), concretizar o programa pedido, "limpando-o" de erros que poderiam comprometer quer o resultado estético quer o resultado económico e poder ver a obra concluída e o cliente feliz por ter uma casa de autor. É evidente que prefiro clientes cujo orçamento não é curto (ou de preferência, que nem sequer imponha limites...) mas isso até hoje só uma vez me aconteceu em oito anos de trabalho... Porque as promotoras querem construir barato. Porque as autárquias nunca têm dinheiro para grandes obras. Porque os particulares têm de recorrer ao crédito e endividarem-se para toda a vida. Porque quem tem (muito) dinheiro normalmente não gosta de separar dele assim de qualquer forma...
Enfim, a minha opinião é que hoje o arquitecto não pode ser apenas um "artista". Tem de ser também um coordenador de vontades e de projectos, um psicólogo com os requerentes, um vendedor com os clientes, um engenheiro com os engenheiros ou um encarregado com os "trolhas"...
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