2004/11/18

A Lenda das Laranjas


Diz uma lenda antiga, que o criador um dia,
Depois de muito estudo, e dum pensar profundo,
Teve esta original, estranha fantasia,
P'ra dar a felicidade, o amor e a paz ao mundo.

Cortou muitas laranjas. Depois arremessou
Com tudo cá p'ra baixo, e satisfeito diz:
"Metade são do homem, e aquele que acertou
achar outra metade, será muito feliz".

E assim passamos nós a vida a procurar
Onde pára a ideal, a terna companheira,
Que tem essa metade que deve completar
Com aquela que temos, a tal laranja inteira.

E, quanta, quanta vez, em dias bons, serenos,
Nós julgamos por fim ter atingido a meta.
Depois surge o engano, uma ilusão a menos,
Uma laranja mais que não se completa.

Porém na minha vida um dia tu surgiste
E tudo se mudou à minha volta, amor.
Passou a ser alegre o que antes fôra triste,
O sol brilhou mais alto e o céu teve mais cor.

E consegui por fim a tal laranja inteira,
Essas duas metades perfeitamente unidas.
E desde então para cá, ó terna companheira,
A mesma perfeição fundiu as nossas vidas.

E hoje, ao ver que é certa essa tal lenda antiga,
Eu quero perguntar-te, aqui, muito em segredo,
Porque tardaste tanto, ó minha doce amiga?
A vida é tão pequena, devias ter vindo mais cedo.

Fernando Vieira,
in "Poesias", edição de Autor

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